quinta-feira, 30 de março de 2023

3 Questões para Considerar Antes de Iniciar um Doutorado nos EUA

No papel, minha experiência no Ph.D. foi quase perfeita. Demorei 7 anos, mas tive um filho, mudei de cidade no meio da pandemia, e finalizei o programa com nota máxima, mantive uma boa relação com os meus professores e orientadores. Porém, quem viveu (e sofreu) essa experiência de perto comigo, sabe das crises e das dificuldades que eu enfrentei. 

Parte de mim ainda está se recuperando dos traumas do doutorado. Sem dúvida houve momentos felizes e oportunidades maravilhosas de troca, aprendizagem e colaboração, mas o desgaste emocional e físico parecem pesar mais na balança do que o título de doutora. 

Se eu pudesse voltar no tempo, eu faria tudo de novo? Provavelmente não sem antes considerar essas três questões.

1. Eu preciso mesmo de um doutorado? 

Quando decidi entrar no doutorado eu já tinha um mestrado e era professora adjunta de Português na Universidade da Carolina do Norte. Como professora adjunta de uma universidade americana eu não tinha direitos a benefícios, e ouvia dos meus colegas que para ser "assistant professor" ou "tenured professor," com direito a benefícios e melhores salários, eu precisava de um Ph.D. 

Porém, cada vez mais há menos vagas que oferecem "tenure track" em universidades nos EUA. E para todas elas, há um montão de Ph.Ds já formados, ou prontos para se formar, concorrendo à mesma vaga, fazendo com que eu seja apenas mais uma entre centenas de candidatos tão ou mais qualificados, e com mais vontade de seguir essa carreira, do que eu. Quando eu era uma professora adjunta, o tão sonhado "tenure track" era a razão primeira de ingressar no doutorado. Durante o Ph.D., no entanto, eu vi o quanto meus professores e colegas viviam em função do trabalho. Minhas prioridades profissionais jamais se alinhariam, em tamanho e intensidade, com a deles, e isso foi ficando mais claro à medida em que o doutorado avançava. Ou seja, minha primeira razão de começar o programa já não fazia sentido pra mim. Se houvesse outras razões além daquela, talvez minha experiência tivesse sido mais gratificante.

Portanto, se você tem apenas um motivo para justificar o início dessa jornada, tente encontrar outros que sejam tão ou mais importantes e capazes de manter sua determinação para concluir o programa. Busque razões que ampliem seu leque de possibilidades profissionais. Isso poderá ajudar a tomar decisões mais conscientes durante o Ph.D, como por exemplo, incluir na sua grade cursos aulas voltadas também à tecnologia da educação, ou análise de dados, linguagens de programação, essas coisas que abrirão portas para carreiras de sucesso dentro e fora da academia.

2. Eu quero dedicar longas horas e anos da minha vida lendo, escrevendo, revisando, reescrevendo, e me comunicando em um idioma e uma cultura que não são naturais para mim?

Se você está considerando a possibilidade de um doutorado fora, é porque muito provavelmente você é uma pessoa que gosta de estudar, que escreve bem e sabe compreender e comunicar conceitos abstratos com facilidade e clareza. Você provavelmente está acostumado/a/e a receber elogios e críticas positivas em suas produções intelectuais. Em outra língua, porém, todos esses atributos serão desafiados.

Um Ph.D. já é uma tarefa hercúlea na nossa própria língua. Em inglês, a coisa se torna ainda mais complicada. Navegar os códigos culturais e as burocracias acadêmicas no exterior demanda mais tempo e, quase sempre, resulta em mais frustração. Por exemplo: embora muitas universidades aqui ofereçam mais estrutura e melhores oportunidades educacionais do que no Brasil, a maioria das (poucas) instituições que financiam pesquisa aqui não permite que doutorandos internacionais sequer concorram àquela bolsa. 

Ao mesmo tempo em que somos apreciados como portadores de uma diversidade intelectual, cultural, e lingüística, somos avaliados de acordo com nossa capacidade de desaprender vícios de escrita (por exemplo, voz passiva) e até mesmo de comportamento. Embora exista um discurso de equidade, inclusão e diversidade, no fim as instituições nos julgam mais ou menos aptos de acordo com nossa habilidade de nos moldarmos ao formato americano de práticas acadêmicas. 

No Brasil vão dizer que estamos americanizados. Este é um processo de deslocamento de personalidade doloroso, que demanda uma paciência enorme. Criar uma versão de nós mesmos que seja adequada para os moldes americanos significa abandonar muitos aspectos e comportamentos que, até então, nos definiam como pessoa. Ou seja, o mesmo processo que vai garantir o seu sucesso e sobrevivência no meio acadêmico aqui, vai também te minar por dentro (e consequentemente, por fora). Um PhD aqui precisa ser acompanhado de muita terapia. 


3. Estou ciente de que vou viver com a auto-estima abalada e um salário baixo e que, mesmo depois do doutorado, empregos não oferecerão recompensas proporcionais ao meu nível de especialização?

O mundo é um moinho, e a realidade acadêmica americana é um moedor. Ao considerar fazer um doutorado aqui, busque programas que ofereçam bolsa de, no mínimo, cinco anos. E que a bolsa seja paga mensalmente, 12 meses ao ano. Parece óbvio, mas por incrível que pareça, muitas universidades pagam a bolsa somente durante 9 meses do ano, o que exclui o verão (junho, julho, e agosto), pois essa é a época em que os doutorandos viajam para fazer a pesquisa de campo. 

Tais instituições acreditam que é dever dos alunos buscar financiamento externo para viagens de pesquisa (travel grants/research grants). Para concorrer a essas bolsas (cujos valores muitas vezes não cobrem nem a passagem ao Brasil, quanto menos outras despesas como alimentação e estadia), você precisa convencer um comitê que não entende nada de sua área ou métodos de pesquisa de que você é foda, que seu trabalho é relevante, e que a metodologia é a melhor de todas, e que o seu orçamento faz todo o sentido. 

Ou seja, além de ler aproximadamente 600 páginas por semana ou mais (sem exagero), escrever trabalhos, preparar aulas e apresentações, corrigir as provas e os textos dos alunos da graduação, você ainda vai ter que encontrar tempo e energia para elaborar um projeto de pesquisa impecável. Mesmo assim, sua proposta, muito provavelmente, resultará em uma negativa. Se seu projeto for aceito você vai ganhar mais prestígio do que dinheiro, pois essas bolsas geralmente são insuficientes pra te sustentar durante os três meses em que você não estará recebendo da Universidade. 

Então fuja das instituições que só pagam por 9 meses ou que garantem apenas 2 ou 3 anos de bolsa. Muitas universidades prometem possibilidades de continuidade de bolsa se você for T.A. (teaching assistant) ou R.A. (research assistant). Mas pense. Não só você, como todo mundo no seu programa vai depender dessas vagas possibilidades. Aqueles que deveriam ser seus colegas, serão também seus concorrentes. É natural ter gente rancorosa nesses tipos de programa, porque o aluno tal sempre consegue a vaga de T.A., e o outro não. Amigues, não caiam nessa!

E quando o programa finalmente termina e você, com sorte, consegue um super trabalho, um "tenure track" ou um pós doutorado numa Harvard, Stanford, Princeton, ou Yale! Wow. Ganhou na loteria! Só que não, pois o salário não é aquelas coisas considerando o alto custo de vida das cidades onde essas universidades estão, sem falar no volume intenso de trabalho que envolve ensino, pesquisa, produção intelectual escrita, fora os serviços administrativos. 

Enfim, eu me pergunto:

Valeu a pena ter sacrificado sete anos e comprometido minha sanidade física e mental para um projeto que gera mais sacrifícios que recompensas? Para mim, pelo menos até agora, não. 

Portanto, antes de considerar um doutorado nos EUA, reflita sobre essas e outras questões. Entre em contato com professores e alunos de programas aqui e no Brasil. E lembre-se: nenhuma experiência é igual a outra. A sua pode ser melhor. E provavelmente será, se você souber fazer escolhas mais bem informadas do que as que eu fiz na minha trajetória. 

No site da BRAHUS tem uma lista de doutorandos e doutores atuantes nos EUA. Essa é uma associação criada para apoiar brasileiros que estejam aqui ou considerando iniciar um programa em história. Mas mesmo se sua área não for de História, entra em contato com a gente! Sempre tem alguém que conhece alguém... enfim, ficaremos felizes em ajudar. 

quarta-feira, 29 de março de 2023

10 coisas que aprendi no doutorado

Em 17 de dezembro de 2022 eu recebi meu diploma de Ph.D. em História pela Emory University. Foram sete anos de trabalho duro e pouco remunerado, mas também de muita aprendizagem e expansão dos meus horizontes intelectuais, emocionais, corporais, neurológicos. Em meio ao alívio da conquista e à urgência da busca de empregos numa era de múltiplas crises, reflito sobre dez lições simples, algumas dolorosas, que aprendi nessa jornada.


1. Aprendi a normalizar o burnout. Se você não ficar maluco, ansioso, deprimido e se perguntando "o que eu estou fazendo aqui?" é porque supostamente você não está fazendo o mínimo necessário. 

2. Não existe trabalho, capítulo, artigo, ou texto pronto que não possa ser melhorado.

3. Os melhores feedbacks vêm não apenas dos orientadores especializados na área em que você estuda, mas de leitores que têm pouco ou nenhum conhecimento sobre o tema.

4. Da microhistória à long durée de Braudel, toda história é apenas uma interpretação possível de ínfimos fragmentos do tempo e realidade. 

5. Memórias não são confiáveis nem definitivas, pois elas mudam e dependem menos dos fatos do passado do que do presente.

6. Todo documento, artefato, e toda narrativa histórica omite mais do que relata. Ou:

7. O que não está nos arquivos às vezes diz mais sobre a história do que o que está arquivado. 

8. Não existe nada mais idealista do que a objetividade histórica. 

9. Documentos oficiais são produzidos para moldar narrativas, e portanto, podem ser tão questionáveis quanto as narrativas ficcionais ou de história oral. 

10. Doutorado é pior que jazz... muita nota, pouca nota ($$$) e no fim, ninguém nota... 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Woman at War

A ativista Halla, terrorista para uns e salvadora do planeta para outros,
representada magistralmente pela atriz islandesa Halldóra Geirharðsdóttir

Esses dias assisti a um filme islandês-ucraniano chamado Woman at War (Kona fer í stríð, de Benedikt Erlingsso, 2018). A história se resume no seguinte: uma jovem senhora eco-ativista resolve combater sozinha a indústria poluente de seu país e, para tal, arranja formas um tanto ousadas de interromper o fornecimento de energia para o funcionamento dessas empresas. Apesar de ser uma mulher comum, exercendo uma profissão modesta como professora de canto, seus atos “terroristas” acabam a transformando em uma espécie de Artemis, cujos fôlego, coragem, força e resistência fariam inveja a um McGiver, ao próprio Rambo, e a todos os super-heróis de quadrinhos. 
A trama fica interessante quando a mulher recebe um telefonema que vai mudar a sua vida—mas não os seus valores. Há anos na fila de espera para adoção, finalmente surge a oportunidade de ela ser mãe de uma garotinha ucraniana que perdeu a família na guerra. Feliz e naturalmente confusa com a novidade, ela vai imediatamente visitar sua irmã gêmea, que seria a segunda guardiã legal da criança. Zen e toda mística, a irmã concorda em assinar os papéis como segunda responsável, advertindo porém que em breve sairia numa jornada espiritual na Índia. Isso complica imensamente a vida de nossa protagonista, uma vez que ela não desiste de se tornar mãe e muito menos de continuar seus atentados-manifestos. Eventualmente ela será descoberta, mesmo usando uma máscara do Mandela. O trágico fim de seus sonhos, tanto de maternidade quanto o de derrotar a indústria poluente será na cadeia. Mas felizmente o filme não acaba aí. Só não conto mais para não me tornar uma “spoiler” do seu divertimento. 
O filme retrata a importância de reatarmos nossa conexão—qual refutamos diariamente—com a natureza. Em algumas cenas a mulher se joga no chão, como se estivesse querendo voltar para o “útero” da terra, ou escutando a voz, o coração do planeta. Também gostei da crítica que o director faz à discriminação e ao racismo  para com os imigrantes. Adorei a trilha sonora, executada “ao vivo” nas cenas ora por uma bandinha de músicos/atores muito competentes, ora por um trio de jovens ucranianas.  O fato de a “terrorista” ser uma mulher, uma senhora, professora de coral, dona de casa e futura mãe cutuca nosso ceticismo com esperançosos “e se…” ou “por que não?” Ironicamente (embora a ironia seja proposital) a cada fuga e perseguição a mulher tem que encarar os desafios e os problemas que ela quer combater, seja refugiando-se na fissura de uma geleira em derretimento, mergulhando em um rio contaminado ou atravessando as águas turvas de uma enchente. Enfim, abundam os simbolismos e os momentos em que podemos refletir sobre onde foi parar a mulher guerreira e ativista dentro de nós, e que surpresas desastrosas o futuro nos guarda.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Artemísia Vulgaris ou Mugworth: A Força Mágica das Ervas




Eu ouvi falar desse matinho pela primeira vez através de uma amiga que tive, a Suzana. Su se foi muito cedo, morreu no leito de um hospital público em Curitiba após complicações respiratórias causadas por recorrentes pneumonias. Por pouco não foi sepultada como indigente… demorou para a mãe dela saber do paradeiro da filha.


Su era uma menina dócil, silenciosa e com tendências suicidas. Por ser diferente, era taxada de "doida." Filha de imigrantes japoneses, Su cresceu com a confusão de uma identidade hifenizada. Era brasileira, mas também era japonesa. Ou talvez não fosse brasileira nem japonesa. O pai da Su era engenheiro agrônomo, lavrador, e faleceu alguns anos antes que ela. A mãe era doente, depressiva, acumuladora, e nunca aprendeu Português. Su via na mãe a origem de todos os males e frustrações de sua vida. Às vezes Suzana escrevia no face aquele textão raivoso, um desabafo que ninguém entendia bem o que era, nem por quê ou para quem ela estava falando, mas eu sim sabia o que era, de onde vinha e a quem ela estava se referindo.


Minha mãe um dia notou e disse, nossa, Xanda, você viu o que aquela sua amiga "japonesa"(aspas minhas) postou hoje no feice? Por que ela é assim? Ela é doidinha né? Doidinha, sim, quem não é… Mas antes de ser doida ela era uma mulher de mente brilhante, meiga, boa, amiga, uma das poucas que sempre foi me visitar toda vez que eu fui ao Brasil.


Durante essas visitas a gente falava bem e mal do mundo, dava muita risada e cantava David Bowie no jardim e fazia planos para o futuro tão incerto e sem esperanças que ela tinha. Acho que era por isso que a Su gostava de mim. Eu enchia a vida dela de música e de possibilidades fantásticas. Bolsas de estudo no Japão. Projetos culturais de curta metragem. Livros de haikai. Tour ecológica nos bairros de Curitiba para conhecer as ervas daninhas que eram boas pra saúde. Su gostava de arte, literatura, cinema, de ler e de escrever poesias e de plantar e conhecer as propriedades medicinais das plantas.


Um dia ela me disse que tinha muita Artemisia vulgaris no caminho entre o Barigui e a casa dos meus sogros e que a Artemísia era ótima para cólicas menstruais. No mesmo dia ou semana em que ela me disse isso, um outro amigo meio "xamã" publicou no Facebook sobre a Artemísia, e como ela vinha sendo usada na medicina popular e tradicional do mundo todo por séculos e séculos. Era a erva fundamental para o trato do útero, para descer ou regular a menstruação, ou para quaisquer inflamações ou doenças femininas tipo cistite, vaginite, ovário policístico, etc.


Artemísia é sim uma erva feminina, o próprio nome da planta vem de Artemis, a grande deusa grega da guerra. E a danada é daninha, dá em todo lugar, e ainda tem efeitos psicotrópicos e mágicos, ajuda a ter insights, "sonhos vívidos," e a se lembrar dos sonhos. Por outro lado, ela é uma erva extremamente tóxica e deve ser consumida com parcimônia. Grávidas e lactantes não podem ingeri-la, nem em pequenas quantidades. O resto dos mortais devem evitar seu uso prolongado. Achei tão interessante essa coincidência, de ler mais sobre algo que acabara de saber da existência, que marquei a Su nessa postagem.


Votlando para os EUA eu busquei saber se em Atlanta tinha artemísia, ou mugworth, mas nunca achei a erva, nem naquelas prateleiras de chás e temperos a granel que tem nos mercados internacionais daqui.


Porém, eis que ontem encontrei a Mugworth numa lojinha do lado de casa, Health Unlimited. Na hora peguei um saquinho, enchi com a erva, voltei pra casa, fiz o chá. Tomei com mel porque ele é bem amarguinho. Lembrei com carinho da Su. Sorri sozinha no quintal, não estava frio, tinha um solzinho bom e eu aproveitei pra lagartear por ali. Eu e Su sempre nos sentávamos na grama do quintal dos meus sogros, sob sol do inverno curitibano, pra meditar sobre a vida e as nuvens… senti que o vaporzinho do chá de artemísia me soprava o espírito da Su. Mandei boas vibes pra ela e pro universo.


Minhas aftas (estou com 4) pararam de doer na hora e minha garganta também melhorou imediatamente. As plantas curam. (Minha mãe tinha um livro com esse título.) De noite eu tive um sonho muito doido… que eu estava no aniversário do Flávio Bastos, mais conhecido como Júpiter Maçã. A festa era tipo numa chácara, que podia ser a casa dele ou o Bar do Morro em Sapiranga, não sei, quase não havia móveis. As pessoas começaram a chegar, tinha gente de todas as tribos, sexos, idades. Eu aparentemente era amigona do Jupiter, apesar de na vida real a gente ter se cruzado uma ou duas vezes e nossas interações sido altamente tóxicas e etílicas. No sonho nosso papo era aberto, artístico e intelectual, sobre a estética modernista, sessentista, e psicodélica do Sétima Efervescência.


Na festa também estavam Bruno e o baby, a minha mãe e a minha irmã, uns índios guerreiros, com máscaras, de corpos pintados, e umas meninas todas de glitter e tule, vestidos espalhafatosos, outras de roupa mais simples, como eu. Era um happening muito doido com comida e bebida -- uma hora a cerveja acabou e eu pedi pra um garçom trazer mais, eu ia colaborar pra pagar as beras mas meus dólares eram falsos. Tive que pagar com cartão.


O Bruno foi convidado a participar de uma dança em que ele se deitava em cima de uma garota e depois vinha outra por cima, e a coreografia era um misto de dança rastejante com ilusionismo, de repente todos sumiam. Eu fiquei com ciúmes mas fingi que estava de boa… saí da muvuca meio puta, era noite, uma fina neblina embaçava a luz do poste e carregava de brisa gelada os ares dos pampas onde a gente fumava. Amanhã faz sol e céu azul, eu disse. E o Flávio corrigiu. "Não, não... aqui não funciona assim. Aqui chove o tempo todo," e notei que a neblina era na verdade uma chuva fina que caía, um véu constante que deixava a noite branca e misteriosa, mas não menos escura nem menos iluminada.


A arte da artemísia é essa de nos reconectar com seres guerreiros, seja Júpiter e ou seja Su, ambos kamikasis, ambos Samurais na sombra de bonsais, habitantes de outras esferas muito acima de nossa razão, eles que sempre conheceram e compreenderam, como nenhum de nós, a pequenice da vida diante dessa louca imensidão do cosmos.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Cuarenta en Cancún

Da esquerda para a direita: Fatiminha, eu, Bruno e BoniTony, e Ivovô

Não se iludam, raros leitores, vou limitar meu muy malo Espanhol apenas ao título desta postagem. Ela narra, um pouco tardiamente, nossa primeira aventura no mar do Caribe. A viagem foi um presente do meu maridão para celebrar, em grande estilo, meus quatro decênios de existência.



Saímos do frio de Atlanta na sexta-feira, 14 de dezembro, véspera do meu niver. Não foram nem três horas de voo até desembarcarmos no verão da Península de Yucatán, ao sul do México. Mal chegamos no aeroporto e já fomos cercados por ambulantes do turismo. ¿Hablan Español? English? Eles perguntavam e, nas duas línguas, iam nos oferecendo todo tipo de pacote para pirâmides, passeios marítimos, experiências piratas, etc.



Conseguimos nos desvencilhar dos primeiros vendedores e saímos pegar a van que nos levaria até o hotel, um resort excelente chamado Panama Jack. A vista do nosso quarto era de tirar o fôlego, de um lado tinha o verde fosforescente do mar do Caribe, do outro o verde escuro de um dos muitos lagos que banham a Península.


O Panamá Jack oferece estadia completa com refeições e, o mais importante, muitos bons drinks, tudo incluído. Portanto, tudo o que você tem que fazer, além de comer, beber, se divertir e relaxar, é dar "propinas" (gorjetas) para os funcionários.




Tiramos um dia para fazer um passeio até as ruínas de Chichen Itza, que foi, antes de Colombo, um importante centro político e religioso da civilização Maia pré-colombiana.


O passeio incluiu outras atrações como a visita a uma vila Maia moderna e a um dos muitos "Cenotes"--ou furnas-- que serviam, de acordo com as antigas tradições maias, não apenas para fornecer água. Alguns deles eram exclusivamente tratados como um lugar sagrado, onde sacrifícios e oferendas aos deuses eram realizados.



Yucatán é um México completamente diferente, a paisagem praiana do Caribe à parte, o interior é coberto de vegetação, portanto não remete em nada o solo desértico do centro e norte do país. A comida, a simpatia e amabilidade dos Mexicanos, no entanto, continuam as mesmas!

 

A semana passou rápido demais, mas deu pra relaxar e descansar e renovar as energias para um 2019 cheio de novas emoções... que aventuras nos aguardarão quando chegarmos para redescobrir no Brasil em Abril? Aguarde as próximas postagens...





quinta-feira, 8 de março de 2018

O Futuro é Feminino?

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Como muitas mulheres que conheço e desconheço, hoje dia 8 de março, acordei um pouco revoltada com a hipocrisia da data. Ao apontar para esta hipocrisia não quero diminuir a importância deste dia, muito pelo contrário. Quero chamar a atenção para o fato de que, em pleno 2018, portanto há mais de 100 anos depois que ela foi criada, ela ainda seja necessária para garantir uma reflexão acerca do que significa ser mulher hoje. Todo dia é dia para celebrar nossa beleza, nossa força, nossa resiliência, nossa capacidade de suportar as dores e as humilhações a que somos submetidas repetidamente, seja por nossa formação biológica, seja por nossa sociedade opressora e patriarcal.

Todo dia é dia para lembrar à sociedade que nos marginaliza, da nossa centralidade para a (r)existência, da nossa importância enquanto agentes principais na formação, na nutrição, e na educação de seres humanos (bons e ruins), e do nosso valor que vai além, muito além, da nossa capacidade de trabalho, quase sempre  tão mal remunerada e pouco reconhecida.

Todo dia é dia para lembrarmo-nos de que sim, somos mulheres de fases. E que isso não deveria ser interpretado como um defeito, como algo negativo. Precisamos reconhecer e assumir a nossa essência, aquela que muitas vezes se mostra "irracional" ou "ofensiva demais" em nossas TPMs. Precisamos do 8 de março para lembrar que a TPM -- a qual muitas vezes usamos como justificativa para nos desculparmos por súbitas tendências "antissociais," por crises de choro, ou ataques de nervosismo -- não significa estar vulnerável e sentimental. Significa, sim, estarmos fortes o bastante para nos mostrarmos sem máscaras, sem resguardos, e para darmos vazão às nossas emoções mais profundas que a sociedade, no afã de nos adestrar, nos ensinou a reprimir e a esconder.

Precisamos do 8 de março para refletir sobre esses preconceitos que nos tolhem e nos amarram. Precisamos desta data para tentarmos ampliar nossas ferramentas de combate a esses preconceitos. Precisamos deste dia para evidenciar que a nossa luta é diária.

Mas e o futuro? Será o futuro feminino? E se for? O que isso significaria?

Menos patriarcalismo, mais mulheres nos livros de história. Filhos que não sejam machos, mas sim, homens. Filhas que não sejam escravas dos padrões de beleza e de comportamento impostos pela sociedade. Uma sociedade que não imponha ideais de masculinidade e feminilidade, mas que respeite a natureza, as vicissitudes, a fluidez, e as peculiaridades inerentes a cada um de nós.

Um futuro feminino, para mim, não eliminaria nem reprimiria o masculino. Um futuro feminino apenas cuidaria mais do meio ambiente e dos seres vivos em geral. Investiria mais no amor, na compreensão, no respeito, na educação. Valorizaria mais o tempo com a família do que as horas remuneradas de trabalho. Dedicaria-se mais e mais plenamente à produção de seres humanos melhores, mais felizes, e mais completos. Não é disso, enfim, que o mundo precisa?

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

O Café e a Fé

Confesso que tenho estado desmotivada no trabalho. Toda manhã é uma luta pra estudar, ler e escrever sobre os mais de 300 livros que preciso saber para passar nos meus exames. Então, para animar a lida, comecei o dia fazendo uma quantidade, talvez exagerada, de café. Aqui nos Estados Unidos temos “pequenos canecos” térmicos que refletem a mania de grandeza do país. O tamanho do artefato é justificável por ser inversamente proporcional à intensidade do “cháfé” americano. Mas o café que eu compro não é fraco, é bem forte, colombiano, tipo o tradicional cafezinho brasileiro. Hoje com mais sono por estar tomando remédios para gripe (faz 12 dias que estou doente), resolvi encher o caneco. Parte de mim achava que isso era uma ótima ideia. Você precisa estar atenta e esse café vai te manter acordada e te deixar alerta. Outra parte me autocondenava: minha filha, pra que tudo isso, você tem certeza de que todo esse café vai te fazer bem? Ignorei. Trabalho em primeiro lugar. Enfim.
Trouxe o café para o meu “home office” que consiste de uma pequena escrivaninha abarrotada de livros canetas e computadores no fundo do meu grande quarto. Mas recém passado, o café ainda estava muito quente, assim pelando, então resolvi tirar a tampa da caneca térmica para que esfriasse um pouco. Repousei o caneco na mesa, atrás do laptop. Estava bom. Aroma perfeito! Comecei meu trabalho, e entre um livro e outro, e algumas linhas escritas, eu dava uns golinhos, que prazer, que prazer enorme é tomar um café gostoso e quentinho logo cedo. Mas não sei o que aconteceu, acho que esbarrei num livro, ou puxei o fio do computador prum lado, só sei que quando vi o meu copão de café virou na mesa, e ele estava sem tampa, e cheio até praticamente a boca. Foi aquele splésh. Que merda! Que MEEERDAAAA! Eu gritava ao mesmo tempo que saí correndo pegar uns panos na lavanderia para limpar o estrago. Mas no meio do caminho, ao invés de começar a chorar, eu ri. Ri e me senti idiotamente bem. Acho que era aquela parte de mim que julgava ser ruim tomar muito café.
Limpando primeiro a mesa, fiquei aliviada pois os livros que molharam eram meus e ufa! Não os da biblioteca. O meu computador estava intacto. Nem um pingo de café aqui. No pé do monitor auxiliar, sim, tinha café pra todo lado, mas tinha também muita poeira, daquelas que estavam precisando há tempos de um pano e, agora, bem, agora já não precisam mais. O chão debaixo da mesa também estava uma vergonha, precisava ser limpo. Dos meus seis porta-lápis e canetas (eu não estou exagerando) apenas três molharam e só por fora. O café que estava pelando não me queimou. Ou seja. Minha reação de rir pode ter sido irracional, mas foi a mais correta, pois considerando o potencial do acidente, realmente, tive muito mais motivos para rir do que para chorar. E ainda por cima sobrou um pouquinho de café. A quantidade certa? Talvez isso já seja polianar demais. Mas sim! Tenho mais sorte que juízo e não só isso, tenho muito mais sorte que azar!
Acendi uma vela e um incenso para os meus anjinhos musicais e agradeci por esse dia cinza e chuvoso e por tudo que eu tenho, inclusive, por meu trabalho. Nessa breve meditação, lembrei que amo o que eu faço, que eu escolhi isso para minha vida, e que mesmo se eu me revoltar e não querer mais seguir carreira acadêmica, um Ph.D. não vai me fazer nenhum mal. Não sei o que foi, se o santo para quem o café caiu me iluminou, mas me sinto ótima e estou mais motivada. Até a sinusite melhorou. Amém! Que assim seja. Obrigada universo. E cosmos, desculpe por mandarem um carro para nosso espaço ontem. Eu também achei o lançamento muito legal, mas por outro lado, esse lance do Starman no Tesla foi uma bruta desnecessidade. O que passa na cabeça desses homens muito poderosos? Por que eles gastam dinheiro com essas excentricidades espaciais quando a terra onde vivemos tem tanta coisa para mudar? Por que eles fazem essas coisas para agradar o próprio ego em nome da promoção do bem e do avanço da humanidade? Devemos perdoá-los? Oh well. Melhor voltar ao trabalho. Pelo menos as perguntas dos meus exames, todas elas terão uma resposta!  

No blog 2018 começou assim: depois de janeiro, mas antes do carnaval.



Uma das metas do ano é escrever todos os dias, não no blog, mas também no blog que andava largado. O Diário de Bordo fez dez anos ano passado e eu nem comemorei, que boba! Só porque fiquei com o ciático atacado por seis meses, dos quais três fiquei paralítica quase aleijada, tomando boletas fortes que me deixaram muito mal e deprimida? Estar viva e inútil, hm, não tinha mesmo o que comemorar. Fiquei afastada da universidade por um semestre, isso me deixou ainda mais pobre, de espírito e de dinheiro. Andei enfim muito abatida e me sentindo inútil e incompetente. Eu me culpei muito, e quando fui ficando boa e finalmente parei de tomar os remédios, bebi tudo o que não tinha podido tomar durante a fase mais aguda da crise. Ou seja. Não me tratei muito bem, não fiz muito para me ajudar. Para não ser assim tão injusta, eu me dediquei mais à minha família, eu fiz os exercícios da fisioterapia, eu voltei a estudar, então não, eu não me fiz só mal. E tudo bem se perder um pouco. O melhor de tudo é que tudo isso está no passado.

Minha coluna está bem melhor, tenho dor mas só na lombar (nunca achei que fosse achar isso bom), não preciso ir mais duas vezes por semana na fisioterapia, já consigo pegar meu filho no colo, correr, caminhar, dirigir, limpar a casa, ou seja, voltei a ter autonomia e a não mais depender da ajuda de outras pessoas. E que pessoas maravilhosas me ajudaram, e tanto! Vamos lá: meus orientadores, Tom, Jeff e Yanna, me apoiaram muito. Meu marido mais ainda, emocional e financeiramente. Minha mana Cris, minha mamãe me deram colo e colo pro Anthony, meus sogros Ivo e Fátima me cuidaram e cuidaram do Anthony, Flavinha e Caetano também vieram nos visitar e me animaram muito, minhas amigas da universidade, principalmente a minha amiga Audrey veio em casa quando pôde, cozinhou e faxinou enquanto eu não conseguia me mexer e não tinha nenhum familiar aqui. Também a Hannah me levou ao hospital quando eu não conseguia dirigir, enfim... se esqueci de alguém, pode me lembrar que eu edito isso aqui e incluo o nome. Sou rica de amigos. Amo vocês. Obrigada por tudo!

Das Postagens que não fiz em 2017:

2017 - Dezembro

  • Ano Novo em família, só nós (Bruno, eu e Bonitony) Ivovô e Vovó. Queijos e vinhos e champagne. Lindo.
  • Natal foi aqui em Atlanta e contou com a presença em peso da família do meu amor. Além do sogrão e da sogrinha, vieram a bisa Diva, a Marina, a Berna, o Gustavo e o João Pedro. Nosso amigo (e ex- vizinho) Josh também passou o Natal aqui. 
  • Aniversário, festa de última hora? Não. Um girls night out na véspera com Audrey, Danielle, Jeniffer, e Jen, muitos drinks e ostras, chique, me lambuzei. No dia 15 saí jantar com meu amor, fomos comer sushi no Tomo! Lambuzei-me mais.
  • Teve show de Natal dos Criaturas, foi live stream e mais de 2000 vizualizações. 


2017 - Novembro

  • Teve aniversário de 2 aninhos do Anthony, com todos os vovós! Vó Lita, Vó Fátima, vô Ivo, e muitos amigos.
  • Teve muita festa e rota da cerveja com Caetano e Flávia.


2017 - Julho/ Agosto

  • Viagem ao Brasil. Não consegui fazer minha pesquisa no Rio, São Paulo e Brasília como estava programado, porque não conseguia nem sentar nem caminhar nem ficar de pé sem urrar de dor. 
  • Foram seis semanas de cama e fisioterapia, idas ao terreiro, curandeiro, quiropata, acupunturista, e muito tramol, mas nada ajudou muito... voltei pra casa e mal conseguia andar


2017 - Maio

  • Conhecemos Seattle e o Alaska para comemorar os 40 anos de casados da Fátima e do Ivo! 
  • Tirando a dor nas costas que começaram aí, e o voo direto que perdemos em Atlanta, o que nos fez esperar 6 horas até nos colocarem num avião para Los Angeles, e de lá para Seattle, foi tudo lindo. 
  • Fiz um diário de bordo no caderninho sobre as aventuras no cruzeiro. Quem sabe tirarei fotos para postar aqui.

terça-feira, 28 de março de 2017

Senta que Lá Vem A Nossa História

Greg Weeks, meu professor de Ciências Políticas durante o Mestrado na UNCC, me pediu uma música para a vinheta introdutória pro seu podcast. Eis o resultado. Mandei "A Nossa História" -- já que o programa é sobre a política na América Latina... então agora senta, que lá vem a nossa história!

Two Weeks Notice: A Latin American Politics Blog: Podcast Episode 29: Venezuela and the OAS: In Episode 29 of Understanding Latin American Politics: The Podcast , I consider the obstacles to the OAS taking some sort of action with re...

domingo, 8 de maio de 2016

Primeiro Dia das Mães


Mãe! Este é o primeiro dia das mães em que eu consigo compreender a dimensão do amor e do sacrifício seu por nós. Quando o Anthony estava no hospital, a dor que eu sentia só não doía mais porque a minha gratidão de chorar por um filho que eu podia abraçar não deixava... Naquele momento vi a sombra de uma vaga ideia da sua dor ao perder um filho, e por isso, quando chorei no seu colo, soluçava por medo, mas também por você e por ele, numa epifania dolorosa de saber a grandeza enorme do seu coração de mãe que, mesmo pequeno e partido, arranjou espaço para nós  e mais oito netos. Nunca nos faltou cuidado e zelo. Nunca nos faltaram sorrisos seus. Seu amor, mãezinha, é o maior presente que temos. Obrigada!!!